terça-feira, 8 de abril de 2008

vento no litoral

Choveu por toda a madrugada, a manhã custou a nascer, e de fato quando o dia raiou, foi como ver um tom acinzentado clarear, era outono e as folhas que ainda não tinham caído das árvores estavam cheias de pingos de orvalho. No caminho para a praia, caiam na minha cabeça as gotas que o vento derrubava dos galhos, eu não levei guarda-chuva porque saí sem medo de me molhar. Vestia uma bermuda caque e um casaco esverdeado meio musgo. Ao redor do meu pescoço, trazia um longo cachecol branco de tricô que você esqueceu, e meus pés andavam descalços, de modo que a areia da estrada molhada colava entre meus dedos dos pés. Não tinha problema, eu saí sem a intenção, mas ia lavá-los no mar.
Andei pensando naquela maldita canção que eu costumava adorar antes de não sair da minha cabeça; cantarolava "I Wonder" pela milésima vez. Era bom tirar férias da vida de vez em quando. Eu sentia alívio e mágoa de ter sido abandonado, mas depois de desidratar litros chorando o leite derramado, eu parecia bem mais sereno seco. Acho que depois que as coisas aconteceram, ví que não adiantava mais chorar, e eu até me sentia meio estúpido, meio babaca em pensar em como consigo ser absurdamente passional. Caminhei uns 200 metros quando finalmente a vista do horizonte do mar surgiu e começou a subir na minha frente, o barulho crescente das ondas trazia uma certa paz que embalava a minha solidão nos braços, me fazendo uma espécie de companhia paradoxalmente confortante.
Naquele momento meu casaco era minha maior proteção, e eu percebi porque toda vez que saía na rua tinha que levar uma mochila ou algo assim, para que me servisse de escudo no meio da multidão. De certa forma dessa maneira eu me sentia menos vulnerável. Hoje me lembro que quando menino eu dava nome de gente aos meus objetos favoritos; o ursinho de pelúcia era Zé, e o cobertor era João, o meu guardião. De qualquer maneira eu não era mais criança e recordar isso aquele dia me deixou desconfortável, era como se eu tivesse deixado cair meu casaco no chão.
Quando cheguei na praia deserta, pude ver um esboço de arco-íris se formar no céu, era pequeno e suas cores estavam meio desbotadas. Ainda assim lembrava diversos desenhos que pintei em aquarela quando pequeno. É, as memórias de infancia persistiam em aparecer, acho que talvez porque criança não precisa encarar o futuro sem sonho, sem perspectiva. Essas morreram junto com você.
Mas engana-se se achas que essa narrativa morre aqui, ela reflete o que sobrou de mim e que serventia eu poderia me dar, e embora eu tivesse todo aquele dia sem compromisso com as horas diante do mar, eu não consegui achar a resposta. Eu até me esforcei procurando sabe? Mas parece que eu me distraia com cada pássaro que cruzava o ar, ou luzes de barco que piscavam no horizonte. Novamente quando era menino, eu morria de medo que os barcos despencassem verticalmente, como numa cachoeira, mas o mundo tomou uma perspectiva muito mais interessante quanto eu aprendi que ele é redondo, e que aquele horizonte, embora parecesse um fim, era só o começo da jornada, e viajei numa de que todo fim é um começo, cada barco que chega no horizonte, ainda tem um outro horizonte para cruzar e um montão de mar pra atravessar, e eventualmente do outro lado, vai ter terra firme para ancorar.
É, eu não consegui traçar planos, nem sei muito bem que lição aprendi, mas acho que o que não adianta é parar de navegar, que nadando em frente, a gente chega em algum lugar.

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