terça-feira, 1 de abril de 2008

empty glass full of water

Mariana acordou aquela manhã, como em todas as outras, pensando que embora não tivesse sono, não queria levantar. Olhou fixamente o teto de seu quarto por alguns minutos, quando a claridade começou a tomar forma, suspirou fundo e finalmente fincou os pés do chão, procurando no sinteco suas sandálias de algodão. Usava uma velha camisola branca de linho com detalhes bordados nas extremidades, vinda de uma famosa loja de Paris, na época em que Paris era Paris, que ganhou na festa de seu casamento quarenta e dois anos atrás em um casarão no velho Humaitá, que vivia em suas memórias em Sépia. Era manhã de Júlio na serra, onde vivia há quase trinta anos e o frio batia na espinha, então pegou no cabideiro de magno o pullover rosa claro e salmão, bordado por ela mesma, assim como quase todos os outros tecidos da casa. Bordar era um dos passatempos que mais gostava, pois engavana as horas. Passando pela janela, caminhou até a penteadeira, pegou a escova dourada semi-enferrujada que herdou de sua falecida avó e foi aos poucos desembaraçava os longos fios loiros ondulados, que embora enbranquecidos e secos pelo tempo, continuavam belos e imponetes. A cada escovada, Mariana passava a se enxergar atenta no espelho a frente, em suas mãos manchadas com pequenas marcas do sol, saltavam grandes veias azuis. Sua pele fina e flácida, seu pescoço era longo e em sua face estavam tatuadas as marcas de expressão que esboçou durante sua vida, as rugas marcavam da boca aos cantos dos olhos, que suavemente passou a encarar. Seus olhos eram azuis, e esses ainda conservavam sua forma e cor, embora esboçassem uma friesa enigmática. Seu olhar curioso a questionava sem saber o que perguntar e do outro lado do espelho respondia sem saber o que declarar, e se olhando nos olhos não conseguiu se enxergar. Como quem insiste por uma resposta foi focando a vista em seus olhos, que perderam embaçados perderam a definição e a forma. Sentiu mergulhar e caiu com suas mãos no chão em um corredor de altos muros de hera, seus pés pisavam em areia fina e clara, e sob sua cabeça brilhavam estrelas num céu que diria preto, se não soubesse que era azul. Olhou assustada ao seu redor e tinha apenas dois caminhos a seguir, o de trás ou o da frente. Desesperada para sair dali, escolheu o caminho da frente por não gostar de voltar e do que pode encontrar no caminho de volta, foi caminhando pé ante pé em frente, buscando inúltilmente em sua frente uma luz que indicasse a saída. Depois de muito andar o corredor deu-se em outro corredor mais curto a esquerda, e outro corredor, e mais outro com dois caminhos, escolheu o da direita e percebeu que alí não havia saída. Sentiu-se presa e um nó desceu um sua garganta ao virar o pescoço, e viu que era necessário voltar. Saiu do corredor com o coração a mil, sentia a mão trepidar e no corredor anterior apressou o passo para o caminho da esquerda, quando percebeu que esse também parava em uma parede de hera. A primeira lágrima caiu dos seus olhos sem nem piscar, e dessa vez ao voltar, girou em círculos, tentou empurrar as paredes, e fez menção de gritar, mas sua voz não saiu. Impotente, correu querendo deixar em seus rastro suas angústias, e foi cruzando corredores e corredores, tendo que voltar outros tantos corredores já percorridos e sem saída, correu cada vez mais rápido buscando liberdade em sua prisão, continuou desesperadamente até dar no que parecia ser o centro do labirinto que dava não para dois, mas para uns quarenta corredores de hera, em seu centro estava uma fonte de pedra. Sem pensar, sem saber o motivo ou o que fazer sentou-se fatigante em sua beirada e olhou de relance até contemplar, a água que movia lentamente em aros que se abriam com o cair de uma gota de suor ou lágrima, refletir o céu, as estrelas, a lua que iluminava seu rosto, suas marcas, seu olhos, e parou em um olhar de espanto enigmático. Suas pupilas curiosas a questionavam sem saber o que perguntar e respondiam no reflexo sem saber o que declarar, e se olhando nos olhos não conseguiu se enxergar. Sua vista ficou sem foco e quando deu por sí, estava onde nunca havia saído, sentada em frente a sua penteadeira, penteando os cabelos e fitando em seus olhos uma angústia sem resposta, uma curiosidade enigmática.

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